A Base de Alcântara e as Comunidades Remanescentes de Quilombos
Maria Luisa Mendonça
Inicialmente farei um breve histórico sobre a região de Alcântara, que é considerada uma das "portas de entrada" para a Amazônia brasileira, no estado do Maranhão. Essa região foi inicialmente habitada por índios Tupinambá. Os franceses colonizaram a região no final do século XVI e mantiveram sua dominação até 1616. A partir daí, os portugueses passaram a exercer o poder na vila. A economia local, baseada na produção de algodão e cana-de-açúcar, era exercida com mão-de-obra escrava indígena e africana.
No final do século XIX, a queda do preço do açúcar e as pressões pela abolição da escravatura causaram a falência dos engenhos na região, e a maioria dos proprietários abandonaram suas terras. Nesta época, formaram-se vários quilombos naquela região, constituídos pela população negra e indígena.
Os quilombos são comunidades tradicionais, com culturas, dialetos, formas de produção e regras internas próprias. As terras de remanescentes de quilombos são coletivas e a produção é comunitária. Não existem lotes individuais e a plantação é feita de acordo com as condições do solo. As comunidades organizam roças coletivas de arroz, milho, feijão, mandioca, etc.
A importância histórica e cultural das comunidades remanescentes de quilombos, não somente em Alcântara mas em todo o país, fez com que a Constituição brasileira de 1988 reconhecesse o direito aos seus territórios. O Brasil tem mais de mil comunidades remanescentes de quilombos. Desde outubro de 1988, apenas 1,8% dessas áreas foram tituladas.
A área territorial de Alcântara soma 114 mil hectares. São cerca de 19 mil habitantes, sendo que a maioria descende de remanescentes de quilombos e indígenas. Quase 80% da população vive na zona rural e sobrevive da pesca, agricultura e do extrativismo, praticados de forma artesanal e tradicional. Alcântara faz parte da Área de Proteção Ambiental das Reentrâncias Maranhenses e está nos limites da Amazônia Legal. A região é rica em biodiversidade e recursos naturais.
Há cerca de 20 anos, o governo militar instalou o Centro de Lançamento de Alcântara, com o objetivo de desenvolver a tecnologia espacial brasileira. Para isso, foram desapropriados 62 mil hectares de terras mais da metade de todo o território de Alcântara causando o deslocamento de dezenas de comunidades remanescentes de quilombos.
Os principais problemas relacionados ao deslocamento das comunidades são:
Atualmente, outras comunidades têm sido ameaçadas de deslocamento, caso seja aprovado o Acordo de Salvaguardas Tecnológicas, através do qual o Brasil concede a utilização da Base para os Estados Unidos.
Hoje, as comunidades encontram-se em três categorias:
Deslocadas: comunidades que foram forçadas a deixar suas terras e foram deslocadas para "agrovilas" no período inicial de implementação do Centro de Lançamento de Alcântara.
Ameaçadas de deslocamento: comunidades que estão na iminência de ser obrigadas a deixar suas terras.
Ameaçadas de desestruturação: comunidades que estão na iminência de receber em suas áreas centenas de famílias provenientes das "comunidades ameaçadas de deslocamento". Isso iria gerar a desestruturação da cultura, da produção, dos recursos naturais e do modo de viver destas comunidades.
O acordo entre o Brasil e os EUA
O acordo de concessão da Base de Alcântara entre os governos do Brasil e dos Estados Unidos foi firmado em abril de 2000. Mas o Congresso Nacional exigiu que o acordo passasse por sua aprovação. Atualmente, o acordo está sendo analisado pela Câmara dos Deputados.
O documento estabelece diversas obrigações para o Brasil e nenhuma obrigação para os Estados Unidos. O acordo fere a soberania nacional em diversos aspectos, entre eles:
O acordo irá permitir o uso comercial das instalações do Centro de Lançamento de Alcântara, a ser explorado prioritariamente pelo setor privado, o que contradiz o argumento utilizado originalmente para a desapropriação da área, que alegava o desenvolvimento da tecnologia espacial brasileira, ou seja, seria de interesse público.
A questão fundamental em relação ao acordo diz respeito a tentativa de expansão do controle militar dos Estados Unidos na região amazônica. Sabemos que o governo estadunidense acelera sua estratégia militar na região, que inclui o Plano Colômbia e a instalação de bases militares, como no caso de Manta, no Equador. Essa estratégia se estende por todo o hemisfério, chegando até a Argentina, onde o governo dos EUA pretende instalar uma base na Terra do Fogo.
Por outro lado, os movimentos sociais na América Latina identificaram claramente a relação entre a luta contra a ALCA e o processo crescente de militarização no Continente. Essa relação ficou clara durante o plebiscito da ALCA no Brasil, que incluiu a seguinte pergunta:
"O governo brasileiro deve entregar parte de nosso território a Base de
Alcântara para controle militar dos Estados Unidos?"
A questão de Alcântara reflete claramente a relação entre soberania nacional, auto-determinação dos povos e direitos fundamentais. A discussão entre direitos humanos e a ALCA tem avançado, desde os debates durante a Conferência dos Povos em Quebec. Naquele momento, as organizações presentes no Fórum de Direitos Humanos discutiam duas propostas. Uma delas defendia a inclusão de cláusulas de direitos humanos nas negociações da ALCA. A outra argumentava que o próprio acordo viola os direitos fundamentais e, portanto, deve ser rejeitado como um todo.
Após dois dias de debates, o Fórum decidiu assumir a rejeição total à ALCA. Os diversos exemplos de relação entre a ALCA e violações de direitos básicos foram incontestáveis. Nesse momento em que buscamos acumular forças, é importante reiterarmos nosso compromisso de barrar a ALCA, assim como os processos de militarização no Continente.
-- Maria Luisa Mendonça é jornalista e diretora da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.